Marcelo Dutra Silva

A fronteira municipal das mudanças climáticas

Marcelo Dutra da Silva
Ecólogo
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A noite de quinta foi assustadora, mais uma na escalada dos eventos extremos que vêm se reproduzindo com muito mais frequência, no contexto das mudanças climáticas, que para além das possibilidades e especulações científicas ganharam a realidade dos nossos dias, nos alcançando com toda intensidade. E não estamos preparados.

Escrevo esta coluna com regularidade desde junho de 2016 e não lembro de tanta intensidade nos eventos. Este já é o quinto texto que escrevo na tentativa de alertar para a resposta dos eventos, que até pouco tempo ameaçavam mais pela presença de chuvas volumosas ou pela ausência da precipitação, em longos períodos de estiagem. Temporais com granizo, raios e a geada negra vão deixar saudades. Agora, o vento é ciclônico, explosivo e devastador. E são mudanças tão severas que acabamos de viver uma tempestade e já entramos em outra. Impressionante!

Nossa infraestrutura urbana terá de ser repensada; nossas condutas de uso e ocupação do espaço terão de ser revisadas; nossas cidades terão de ser adaptadas... Tudo dentro de um cenário de mudanças, que não pode seguir desconsiderando as situações de risco e/ou as agravadas pelas decisões do poder público. Encostas devem ser evitadas, tanto quanto os ambientes de margem e áreas úmidas.

O foco deve estar concentrado nas ações do Município, em sua agenda voltada para o bem-estar social e proteção do meio ambiente. Uma agenda para o uso mais responsável do espaço, guiada por instrumentos válidos de planejamento, que devem auxiliar às melhores decisões. Algo que talvez deva ser espraiado para um formato regional, de cooperação e multiplicação de esforços, já que os eventos que atingem a região não se limitam a uma fronteira municipal.

Pelotas, por exemplo, já está formando uma comissão para tratar das mudanças climáticas, São José do Norte já tem. Outros municípios deveriam fazer o mesmo, como parte das boas práticas da administração pública, na qual o compromisso de trabalhar pela descarbonização é o começo de uma caminhada que passa por escolhas e decisões às vezes difíceis, porém necessárias.

A chuva e os fortes ventos dessa semana atingiram cidades da Serra, do Litoral e Sul. Por aqui, Rio Grande e Pelotas ainda não conseguiram contabilizar o estrago, mas as imagens mostram que a destruição se fez por toda parte, deixando infraestruturas retorcidas, casas destelhadas, árvores ao chão e bairros inteiros sem água, sem luz e sem comunicação. Aos poucos os serviços estão sendo reestabelecidos, mas os danos são tantos que é difícil dizer quando voltaremos à plena normalidade.

De outra parte, por mais dedicado e eficiente que seja a Defesa Civil, em algum momento a demanda acaba superando a capacidade do atendimento. E fato que boa parte das ameaças poderiam ter sido evitadas se já tivéssemos um plano de ação preventivo. Estamos vulneráveis e pouco mobilizados para evitar o pior. Em outras palavras, transferimos a responsabilidade para os que têm o dever de nos socorrer em situações de perigo e não investimos em estratégias de prevenção para evitar as consequências dos eventos climáticos extremos.

Estamos diante de uma nova fronteira municipal, que nos exige olhar para as nossas questões com outros olhos, especialmente no ambiente urbano, onde concentramos o maior número de pessoas e acumulamos problemas de difícil solução. Não temos um plano ambiental operante, muitas árvores nas ruas e avenidas continuam oferecendo perigo, ainda se permite edificar margem e impermeabilizar o espaço de áreas baixas, planas e úmidas.

O esforço de Pelotas, na pessoa do Secretário Eduardo Schaefer, de ingressar na agenda A3P do Ministério do Meio Ambiente, é louvável, assim como a iniciativa de formar grupo dedicado ao debate técnico sobre mudanças climáticas. Um exemplo que precisa ser multiplicado entre os vizinhos. Aliás, ótimo tema para ser trabalhado pela Azonasul.

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